Nomear é também significar
Sônia Guajajara
Ailton Krenak
Samara Pataxó
Celia Xakriaba

A demarcação da origem étnica no nome de cada indivíduo se faz necessário em relação ao outro. Afinal, não ocorrem casos em meio a comunidade à qual pertenço, de situações nas quais indivíduos do meu povo se apresentem como Pataxó, uns em relação aos outros, a única informação que acaba sendo apresentada é a comunidade de origem desses indivíduos, pois é comum em alguns casos existirem mais de uma comunidade indígena compartilhando as mesmas características culturais.
”Nomear, é uma forma de combater o discurso reducionista, que sistematicamente coloca todos os povos em uma única categoria descritiva.“
Nomear é também significar. Assim, dizer ser Guajajara, Tupinambá, Pataxó, Krenak, Tikuna, etc, é evidenciar que não somos índios. Ao depender de como o indivíduo enxerga a própria realidade, é também afirmar que se quer, este, pertence à categoria indígenas. Se eu digo de qual povo sou, imediatamente se exclui a necessidade de me colocar dentro de uma categoria descritiva. Não existe a necessidade de me enquadrar em uma categorização que erroneamente dispõe de elementos descritivos não fidedignos com a realidade.
Portanto, ao evidenciar o nome do povo os indivíduos não estão apenas confrontando o estereótipo, estão acima de qualquer coisa se posicionando enquanto subjetividade, demarcando sua/uma identidade.
Gosto de pensar esse segundo nome como um sobrenome mesmo. Gosto de pensar o quão interessante seria todos os indivíduos indígenas terem em seus registros de nascimento o nome de seu povo. Ao invés de perpetuarmos "nomes de famílias" que no geral remontam ao período da escravidão, poderíamos pôr em evidencia, nesse lugar, nomes de comunidades ou de povos. Refletir em uma escala individual as interações entre os indivíduos de diferentes povos, facilitando a construção de uma árvore, cujos sobrenomes deixarão de ser compostos por Silvas e Santos para se tornarem Pataxó, Maxakali, Guajajara, etc.

Por que não criarmos sobrenomes para nossas famílias ou um grupo inteiro de indivíduos utilizando como base o nosso referencial cultural? Noto que desde o ponto de vista institucional por meio da Resolução Conjunta n° 3/2012 do CNJ (Concelho Nacional de Justiça), até o âmbito dos costumes que decorre de uma prática de auto identificação, essa realidade aos poucos tem sido alcançada.
Ao apresentarmos o debate sobre o respeito à diversidade cultural, o fazemos lastreados por uma prática comum no interior de nossas interações intersubjetivas de socialização.
Em boa parte das conversas que tive - com pessoas dos mais diversos povos dentro do movimento indígena - em manifestações e atos, a principal questão que surge no início de qualquer conversa é "de qual povo você é?", caso tal termo não esteja em evidência no ato de se apresentar. Antes de falar com o indivíduo falamos com seu povo, no sentido de compreender que ao depender do distanciamento cultural, a forma de comunicação deve se adequar aos símbolos e significados da realidade à qual pertence o parente. Isso, todavia, não pressupõe um conhecimento prévio de todas as culturas existentes.
Texto e Desenho 1: Pàkây Pataxó (Yuri da Silva Aguiar)
Desenho 2: Vitor T.
Fotos: Vanessa Pataxó
Texto disponível também em A inimiga da Rainha